FADE IN.
CENA 1.
INT. ESCRITÓRIO - NOITE.
DOIS HOMENS ESTÃO SENTADOS UM NA FRENTE DO OUTRO. UM, O MAIS VELHO, ESTÁ NUMA CADEIRA DE RODAS, O OUTRO ESTÁ AMARRADO: OS BRAÇOS PRESOS NAS COSTAS E AS PERNAS TAMBÉM PRESAS NA ALTURA DOS CALCANHARES. A CADEIRA ONDE ELE ESTÁ, ASSIM COMO TODOS OS MÓVEIS NO ESCRITÓRIO, PARECEM SER EXTREMAMENTE ANTIGOS E EXTREMAMENTE CAROS.
VELHO - É claro que a culpa foi minha. O que uma mulher jovem e linda como ela iria querer comigo? Mas o que é certo é certo, e algo precisa ser feito. Pode imaginar para um homem em minha posição o que… (TEM UM ACESSO DE TOSSE) Desculpe. O que… o que disse?
AGORA VEMOS MELHOR O JOVEM AMARRADO NA CADEIRA. SEU ROSTO ESTÁ UMA MÁSCARA DE SANGUE, UM DOS SEUS OLHOS FECHADO DE TÃO INCHADO. ELE ESTÁ VESTIDO COM UMA CAMISA E UM SHORTS BRANCO.
HOMEM (COM UM FIO DE VOZ) - Não a machuque. Por favor.
O VELHO PARECE ADMIRADO. SE APROXIMA COM SUA CADEIRA PARA FRENTE E FAZ QUE SIM COM A CABEÇA.
VELHO - Dou a minha palavra que ela está fora disso. O meu negócio agora é somente com o senhor e mais ninguém.
HOMEM - Obrigado.
VELHO - Tive uma vida boa. Uma vida completa e boa. Mas não soube envelhecer. Não vi a graça de envelhecer e quis manter… coisas que não precisava e que não poderia mais aproveitar. (T) Olhe pra este lugar. Todos estes objetos… Sabe o que eles são? Medalhas. (MOLHA OS LÁBIOS COM A LÍNGUA E CONTINUA) Cada um deles tem uma história interessante por trás, mas o campeão… é este aqui. (APONTA COM O BRAÇO PARA TRÁS, ONDE UMA GRANDE CORTINA VERMELHA ESTÁ ESCONDENDO ALGO NA PAREDE) É um quadro. Um quadro muito especial.
O VELHO NUM MOVIMENTO RÁPIDO PUXA A CORTINA QUE CAI PESADAMENTE NO CHÃO. O QUE VEMOS É UMA ESTRANHA MOLDURA FEITA DE PENAS NEGRAS, COM FORMATO OVAL, O CENTRO AINDA COBERTO POR OUTRO PEDAÇO DE PANO. ESTE BEM MAIS RÚSTICO E SUJO.
VELHO - Trouxe comigo da África. Mais ou menos quando tinha a sua idade. Mas não estou sendo exato. Eu chamo de quadro, mas o que está atrás dessa… dessa mortalha, é um escudo. Um escudo feito com a pele de um homem muito, muito mau. (RI E TEM UM NOVO ATAQUE DE TOSSE) Tão mau que seu espírito permaneceu preso aqui.
HOMEM - No quadro?
VELHO - Exatamente! Preso no quadro.
HOMEM - Loucura.
USANDO UMA BENGALA QUE ESTAVA EM SEU COLO, O VELHO BATE NA CABEÇA DE SEU PRISIONEIRO.
VELHO - Olhe o nível. Não estrague tudo agora sendo rude. É uma situação desagradável o suficiente. (SE AFASTA E USA UM CELULAR) Venha me buscar!
UM SUJEITO MUITO GRANDE, VESTIDO COM ROUPAS ESCURAS ENTRA. SE POSICONA AO LADO DO VELHO.
VELHO - Estou cansado. Mostre para ele, mostre agora.
O ARMÁRIO HUMANO VAI EM DIREÇÃO AO JOVEM QUE SE ENCOLHE INSTINTIVAMENTE. MAS ELE PASSA DIRETO E TRÁS PARA FRENTE DO JOVEM ALGO QUE DEMORA ALGUNS SEGUNDOS PARA ESTE COMPREENDER O QUE É. NA SUA FRENTE ESTÁ UM CADÁVER SENTADO NUMA CADEIRA IDÊNTICA A QUE ELE ESTÁ. O CORPO ESTÁ EM TAL ESTADO QUE NÃO É POSSÍVEL QUALQUER IDENTIFICAÇÃO. MAS AS ROUPAS AINDA SÃO VISÍVEIS E ELE AS RECONHECE. O JOVEM COMEÇA A CHORAR.
VELHO - Ela sofreu muito. Até o fim. (DÁ UMA RISADA) Agora, preciso que preste atenção. Ela não prestou e o resultado… (OLHA PARA O CADÁVER E CUSPE NELE, OU PELO MENOS TENTA) É simples: o maldito quadro está vivo. Assim que olhar para ele, ele vai olhar de volta para você. E quando isso acontecer, será seu fim. Porque… está prestando atenção? (PERGUNTA PARA SEU AJUDANTE) Ele está prestando atenção?
O SUJEITO GRANDE SEGURA A CABEÇA DO JOVEM E O OBRIGA A OLHAR PARA O VELHO.
JOVEM (PARA O CADÁVER) - Me desculpe.
VELHO - Patético. Mas o que eu poderia esperar de um professor de tênis? Um professor de tênis cujo único talento é conquistar suas alunas ricas. (T) Mas escute, escute! Compreendeu sua situação? Olhe para o quadro e ele o matará! Escutou bem? Não? Ah, outro inútil. São todos inúteis. (BATE COM A BENGALA NO SEU AJUDANTE) Vamos embora. Isso é nojento.
OS DOIS VÃO EM DIREÇÃO A ÚNICA SAÍDA. O JOVEM COM A CABEÇA ABAIXADA CONTINUA CHORANDO.
CENA 2.
INT. ESCRITÓRIO - NOITE/ CONT.
O JOVEM JÁ NÃO ESTÁ MAIS CHORANDO. DE FATO, ESTÁ FURIOSO. ELE SE JOGA NO CHÃO JUNTO COM A SUA CADEIRA, DEBATENDO COM FORÇA CONTRA UMA DAS PAREDES. MAS A CADEIRA NÃO SE QUEBRA.
ELE COMEÇA A MEXER AS MÃOS COM MOVIMENTOS CADA VEZ MAIS BRUSCOS. AS CORDAS PARECEM CEDER UM POUCO, MAS A PRESSÃO FAZ ELAS O CORTAREM. URRANDO DE DOR, ELE USA SEU PRÓPRIO SANGUE PARA UMIDIFICAR AS CORDAS E SE LIVRAR DELAS. DEPOIS DE OLHAR PARA SEUS PULSOS (ESTÃO EM CARNE VIVA), ELE VERIFICA AS JANELAS (COM GRADES) E A PORTA (TRANCADA).
OLHA PARA O CADÁVER E POR UM MOMENTO PARECE FRAQUEJAR. RESPEITOSAMENTE PEGA A CORTINA E A COBRE. REPARA QUE O PANO SUJO QUE COBRIA O TAL QUADRO, ESTÁ NO CHÃO. OLHA PARA CIMA E VÊ ELE PELA PRIMEIRA VEZ:
O QUADRO É DE FATO UM ESCUDO, MESMO COM POUCA ILUMINAÇÃO, O JOVEM CONSEGUE IDENTIFICAR A FIGURA ESCURA DE UM MENINO NU NO MEIO DE UMA FLORESTA FECHADA. O MENINO ESTÁ DE COSTAS, OLHANDO PARA TRÁS, DIRETAMENTE EM SUA DIREÇÃO.
HOMEM - Louco. Velho louco. (COMEÇA A VASCULHAR O LOCAL PROCURANDO OBJETOS QUE POSSAM AJUDAR EM SUA FUGA. HÁ UM MACHADO E UMA ESPADA MEDIEVAL NA PAREDE. ELE ESCOLHE A ESPADA. E ENTÃO, OLHA PARA O QUADRO MAIS UMA VEZ E DÁ UM GRITO).
O MENINO DA PINTURA NÃO ESTAVA MAIS DE COSTAS. AGORA ESTAVA VIRADO TOTALMENTE DE FRENTE PARA ELE, SORRINDO, DENTES AFIADOS À MOSTRA.
HOMEM - Isso não é possível. (UMA GOTA DE SUOR ROLA DE SUA TESTA PARA SEU OLHO E O FAZ PISCAR. GRITA DE NOVO AO PERCEBER QUE A PINTURA MUDOU NOVAMENTE. AGORA O MENINO ESTÁ SOMENTE RETRATADO DA CINTURA PARA CIMA, BEM MAIS PERTO DELE. AS MÃOS ESPALMADAS NA TELA COM A BOCA ABERTA, AINDA SORRINDO, MAS COM A LÍNGUA, UMA LÍNGUA ABSURDAMENTE GRANDE, LAMBENDO A TELA DO “SEU LADO”).
IMEDIATAMENTE ELE VAI EM DIREÇÃO A PORTA E COMEÇA A ESMURRÁ-LA. SEM OBTER SUCESSO, OLHA PARA A ESPADA E TOMA UMA DECISÃO: SE VIRA E COM ELA ERGUIDA, CORRE EM DIREÇÃO AO QUADRO, ATÉ QUE A VISÃO DESTE O FAZ PARAR.
O MENINO NÃO ESTAVA MAIS EM LUGAR ALGUM DA PINTURA. AGORA, APENAS A FLORESTA FECHADA ERA VISÍVEL NA TELA. O HOMEM SENTA NO CHÃO E COMEÇA A RIR. E ENTÃO COMEÇA A GRITAR.
CENA 3.
INT. ESCRITÓRIO - DIA.
A PORTA DO ESCRITÓRIO SE ABRE. O AJUDANTE DO VELHO ENTRA. ELE OLHA PRIMEIRO PARA O CADÁVER COBERTO PELA CORTINA VERMELHA E DEPOIS REPARA NO CORPO DO JOVEM DEITADO DE BRUÇOS NO CHÃO.
VELHO (OFF) - Cubra o quadro! Faça isso rápido e não olhe para ele.
O AJUDANTE, USANDO A MORTALHA QUE ESTAVA NO CHÃO, TOMANDO CUIDADO PARA NÃO OLHAR, COBRE O QUADRO. SAI E VOLTA COM O VELHO.
VELHO (ESTÁ SORRINDO E ENTÃO PERCEBE QUE ALGO ESTÁ ERRADO) - Onde ele está? Onde está aquele maldito…
NÃO TERMINA A FRASE. DO PEITO DE SEU AJUDANTE SURGE A LÂMINA DA ESPADA E ELE CAI MORTO IMEDIATAMENTE. O VELHO DESMAIA AO VER ESSA CENA.
CENA 4.
INT. ESCRITÓRIO - DIA/ CONT.
VEMOS APENAS O VELHO E UM VULTO ATRÁS DELE. O VELHO DÁ UM GRITO AO PERCEBER QUE NA SUA FRENTE ESTÁ O QUADRO: SEM A CORTINA. COM A PINTURA DO MENINO DE COSTAS, OLHANDO PARA TRÁS.
VELHO - O que? O que aconteceu?
HOMEM (ELE É O VULTO ATRÁS DO VELHO, AINDA NÃO PODEMOS ENXERGÁ-LO POR COMPLETO) - É claro que a culpa foi minha. E vou pagar pro resto da minha vida. Mas o que é certo é certo, e algo precisa ser feito…
VELHO (COM OS OLHOS FECHADOS) - Meu jovem, posso entender a sua raiva. Mas agora pode fazer algo muito estúpido e criminoso ou poderá sair daqui um homem muito rico…
HOMEM - Ninguém vai sair daqui. Descobri um modo de vencer o quadro, sabe? Um modo prático e doloroso. Mas não pretendo sair daqui. Apenas quero ficar com você, quando ele finalmente estiver livre. (T) Deverá ser uma visão magnífica… Pena que só você poderá aproveitar.
A CÂMERA MOSTRA O ROSTO DO JOVEM: ELE ESTÁ SEM OS DOIS OLHOS. ELES FORAM ARRANCADOS DE FORMA EXTREMAMENTE RUDIMENTAR.
HOMEM (SORRI) - Terei que me contentar com os gritos.
O JOVEM ERGUE A ESPADA QUE ESTAVA SEGURANDO, E A CRAVA NA COXA DO VELHO QUE GRITA E ABRE OS OLHOS, OLHANDO PARA O QUADRO. DIRETAMENTE.
FADE OUT.
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