terça-feira, 24 de março de 2009

Roteiro "Gambito"

FADE IN.

CENA 1.

TELA PRETA COM A PALAVRA “ABERTURA”.

INT. SALA DE INTERROGATÓRIO - DIA.

UM HOMEM ESTÁ OLHANDO EM PRIMEIRA PESSOA PARA A CÂMERA. ELE ESTÁ SENTADO NUMA CADEIRA E UM GRANDE E FORTE FACHO DE LUZ ESTÁ SOBRE ELE. DE TEMPOS EM TEMPOS VEMOS UMA NUVEM DE FUMAÇA, DO CIGARRO DA PESSOA QUE ESTÁ OUVINDO SEU DEPOIMENTO.

HOMEM - Eles se conheceram na final de um campeonato de xadrez. O jogo durou quarenta e sete horas. Pausas apenas para comer e irem pro banheiro. Pausas de não mais do que dez minutos.

VOZ - Amor à primeira vista?

HOMEM - (ABAFA UMA RISADA) Mais para ódio à primeira vista. (DURANTE ESTA CENA, SÃO MOSTRADAS IMAGENS SILENCIOSAS EM P&B QUE ILUSTRAM O QUE ESTÁ SENDO CONTADO) Já viu dois profissionais jogando? É brutal. Só aí você entende porque chamam xadrez de esporte. Cada movimento, a espera, o suspense. Mas em algum momento do combate, eles passaram a se respeitar. E quando, ele ou ela, eu não sei, propôs o empate, fizeram mais do que simplemente apertar as mãos.

VOZ - Se casaram pouco tempo depois.

HOMEM - Muito pouco tempo depois. E em menos tempo ainda as brigas começaram. Ou recomeçaram, seria melhor dizer. De qualquer modo assim como no xadrez, uma coisa precisa ser dita: eles tinham paciência. Demorou dez anos e dois filhos, um casal, pra finalmente admitirem que o casamento havia sido um erro, e depois mais cinco até os termos do divórcio serem aprovados.

VOZ - Os termos. A imprensa fez um barulho danado.

HOMEM - Claro que fez. (SORRI) Claro que fez. Basicamente eles dividiram todos os seus bens pela metade, mas havia essa cláusula, algo definitivamente sinistro, que hoje sabemos que foi criado em conjunto pelos dois. (DURANTE ESTA FALA MOSTRAR EM P&B O CASAL ASSINANDO PAPÉIS. O HOMEM QUE ESTÁ SENDO INTERROGADO TAMBÉM ESTÁ PRESENTE. ELE CONFERE OS PAPÉIS ASSINADOS E FAZ QUE “SIM” COM A CABEÇA PARA OS DOIS. NOVAMENTE O CASAL APERTA AS MÃOS, NUM GESTO QUASE IDÊNTICO AO QUE FIZERAM NO FINAL DO CAMPEONATO DE XADREZ).

VOZ - Que se um morresse, independente de quando ou como, sem maiores investigações, todo seu patrimônio seria passado para o sobrevivente.

HOMEM - Sinistro, hein? Mas tudo colocado de maneira tão sutil que nem um dos muitos advogados envolvidos suspeitou… a tempo. Até o dia fatídico.

CENA 2.

TELA PRETA COM A PALAVRA “XEQUE”.

EXT. FAZENDA - DIA.

UMA MULHER ELEGANTEMENTE VESTIDA E UM HOMEM VELHO, USANDO UM GRANDE AVENTAL PRETO DE BORRACHA, ESTÃO ATRÁS DE UMA CERCA. NA FRENTE DELES, A UNS DEZ METROS DE DISTÂNCIA ESTÁ ALGO PARECIDO COM UMA MINÚSCULA PLACA DE COMPUTADOR (INCREMENTADA COM UM TAMBÉM PEQUENO INTERRUPTOR E UMA A LUZINHA VERMELHA) EM CIMA DE ALGUMAS TORAS DE MADEIRA.

O VELHO TIRA OUTRO APARELHO DE SEU AVENTAL E CERIMONIOSAMENTE PASSA ESTE PARA A MULHER. A MULHER OLHA O APARELHO POR UM INSTANTE E ENTÃO DISCA UM NÚMERO.

ELA CONTINUA SEGURANDO O CELULAR E AGORA ESTÁ OLHANDO COM ATENÇÃO PARA SEU RELÓGIO DE PULSO. CLOSE NOS PONTEIROS. NOVAMENTE CLOSE NO RELÓGIO. QUANDO ESTE MARCA X SEGUNDOS O OBJETO QUE PARECIA UMA PLACA DE COMPUTADOR EXPLODE, FAZENDO LASCAS GRANDES DE MADEIRA VOAREM PRA TODO LADO.

O VELHO E A MULHER OLHAM ASSUSTADOS, MAS SORRINDO, PARA O RESULTADO DA EXPLOSÃO. A MULHER, SEM DESVIAR OS OLHOS, PASSA PARA O VELHO UM ROLO COM NOTAS PRESAS POR UM ELÁSTICO.

CENA 3.

TELA PRETA COM A PALAVRA “MATE”.

INT. FRIGORÍFICO/ ESCRITÓRIO - NOITE.

UM HOMEM ESTÁ SENTADO EM SUA ESCRIVANINHA, OLHANDO FIXAMENTE PARA FRENTE. ELE ESCUTA PASSOS E SE AJEITA UM POUCO. ESCUTA BATIDAS NA PORTA.

HOMEM - Entre.

UM SUJEITO (FUNCIONÁRIO) ENTRA NO ESCRITÓRIO.

SUJEITO - Já estou de saída, senhor.

HOMEM - Claro, claro. (ESTALA OS DEDOS E MEXE O PESCOÇO) Foi um dia cheio. Ainda preciso revisar um ou dois documentos.

SUJEITO - Gostaria que eu ficasse?

HOMEM - Hum… não, já está tarde. Pode ir, obrigado. Eu cuido de tudo.

SUJEITO - Perfeitamente. Boa noite, senhor.

ASSIM QUE A PORTA SE FECHA O HOMEM SE LEVANTA E TRANCA A PORTA. AGUARDA UM INSTANTE E ENTÃO VAI ATÉ O CANTO DIREITO DO ESCRITÓRIO E OLHA PARA UM MISTERIOSO VOLUME NO CHÃO.

HOMEM - Eu cuido de tudo…

CENA 4.

INT. FRIGORÍFICO/ GELADEIRA - CONT.

O HOMEM DA CENA ANTERIOR ENTRA NUMA GRANDE GELADEIRA DE ESTOCAR CARNE, ELE DEPOSITA O MISTERIOSO VOLUME NO CHÃO. ASSIM QUE ELE LARGA, ESFREGA OS BRAÇOS PARA ESPANTAR O FRIO.

DECIDE OLHAR PARA O CONTEÚDO DO SEU “EMBRULHO”. ELE LEVANTA PARTE DA COBERTA E VEMOS QUE É A MULHER DA CENA ANTERIOR. ELA ESTÁ DESACORDADA COM UM VISÍVEL FERIMENTO NA CABEÇA. O SORRISO DO HOMEM SE APAGA E POR UM INSTANTE PARECE QUE ELE IRÁ DESISTIR DA COISA TODA, MAS POR FIM, ELE SE LEVANTA, OLHA PARA O CONTROLADOR DE TEMPERATURA E GIRA O TERMOSTATO ATÉ O MÁXIMO PARA A ESQUERDA. O HOMEM VAI EMBORA, FECHANDO A PESADA PORTA DE METAL.

CENA 5.

TELA PRETA COM A PALAVRA “GAMBITO”.

INT. SALA DE INTERROGATÓRIO - CONT.

HOMEM - Não sei se você está acostumado com termos de xadrez. Já ouviu falar de gambito? É quando uma peça menor é deliberadamente sacrificada em prol de uma peça de maior valor. (T) Entenda. Ele cometeu um pequeno erro. Um erro fatal.

NOVAMENTE CENAS SEM SOM E EM P&B QUE ILUSTRAM O QUE ESTÁ SENDO CONTADO SÃO MOSTRADAS À MEDIDA QUE A AÇÃO PROSSEGUE.

VOZ - Ela estava viva.

HOMEM - Isso! Mas graças ao celular que ainda estava com ela, sua vingança estava garantida.

VOZ - Ela ligou. Mas o pior aconteceu.

CENA 6.

INT. FRIGORÍFICO - NOITE.

A MULHER ESTÁ DEITADA NO CHÃO. MAL TEM FORÇAS, MAS SORRINDO, CONSEGUE PEGAR SEU CELULAR E O DISCA.

VOZ DE MENINA (EM OFF) - Alô?

A MULHER RECONHECE COM HORROR A VOZ DA PRÓPRIA FILHA. NÃO HÁ MAIS TEMPO PARA NADA. ELA OLHA PARA O RELÓGIO DE PULSO, CLOSE NELE.

MULHER - A mamãe te ama.

ELA ESCUTA O SOM DE EXPLOSÃO ATRAVÉS DO APARELHO. O CELULAR CAI DE SUA MÃO.

CENA 7.

INT. SALA DE INTERROGATÓRIO - CONT.

HOMEM - O pai se matou na mesma noite.

VOZ - E o filho?

HOMEM - Foi morar no estrangeiro com um tio. A última vez que ouvi falar dele foi que ganhou o campeonato europeu de xadrez pela terceira vez consecutiva.

VOZ - Quarta.

O HOMEM COMPREENDE COM QUE ESTAVA FALANDO O TEMPO TODO. TENTA NÃO PARECER NERVOSO, MAS QUANDO VAI FALR, SUA VOZ TREME. PELA PRIMEIRA VEZ A CÂMERA SE AFASTA O SUFICIENTE PRA NOTARMOS QUE ELE ESTÁ AMARRADO NUMA CADEIRA.

HOMEM - O que quer que esteja pensando, está errado. Eu era amigo de seus pais, representei ambos fora e dentro do tribunal.

VOZ - Então o senhor sabia dos termos. O senhor sabia o que iria acontecer e não fez nada para impedir.

HOMEM - Isso foi, isso foi mais de vinte anos atrás, pelo amor de Deus! E seu tio recebeu durante todos esse tempo uma quantia mais do que…

VOZ - Não é pelo dinheiro que estou fazendo isso. Você fez pelo dinheiro.

O HOMEM COMEÇA A GRITAR. SEU INTERROGADOR SURGE DE COSTAS PARA A CÂMERA. ELE ESTÁ USANDO LUVAS. COM BASTANTE FACILIDADE ELE ENFIA UMA PEÇA DE XADREZ (UM PEÃO NEGRO) NA BOCA DO HOMEM E A TAMPA COM FITA ADESIVA.

VOZ - Gambito. Peças menores sacrificadas. Hora de sacrificar a última.

O HOMEM LEVA UM TIRO À QUEIMA ROUPA. SEU CORPO É ARREMESSADO PRA TRÁS E PARA FORA DO FACHO DE LUZ.

FADE OUT.

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