Acordo cedo para minha segunda sessão. Achei que acordar cedo ia me deixar de mau humor e para minha surpresa, isso realmente me deixou de mau humor. Explico. Raramente algo que espero acontece. O inesperado é o padrão. Algo X deveria acontecer e por um capricho de última hora algo Y acontece. Quando X termina sendo X mesmo, eu faço:
R: Hm.
Pego o metrô, pessoas feias, um monte delas. Procuro a porta. Não para sair, mas para checar o vidro escuro que funciona como espelho. Suspiro aliviado ao ver minha imagem e confirmar que eu até posso estar no meio daquele monte de gente feia, mas não sou uma delas. Certo, sei o que estão pensando. "Cara, vc É um deles e ainda por cima é convencido". Sei disso porque parte de mim pensou isso. Naquele instante mesmo:
H: Cara, vc É um deles e ainda por cima é convencido.
R: Acha?
H: Bom, vc está aqui, não está?
R: Certo, mas... eu sou um acidente, vê? Estou aqui só porque a doutora marcou a sessão nessa hora ingrata. Vai ser terrível! Vou gastar meia hora só falando da experiência que é acordar cedo e pegar metrô. E eu deveria falar dos meus problemas reais! Meus pais e garotas, mas vou ficar falando sobre acordar cedo e gente feia do metrô!
H: Vc está aqui.
R: Não estou. Parece que estou? Não estou. Meu corpo está. Mas meu espírito, ele ainda está na minha cama. Dormindo e rindo de mim. Espírito ******.
MLK: Tive uma idéia. Se achar uma pessoa, uma que seja, fora do contexto é porque sua teoria não é só uma teoria. Tente achar alguém aqui nesse vagão que não se encaixa.
E foi nesse momento que vi... adoraria dizer que nesse momento vi uma garota deslumbrante, vestida de forma impecável, cheirando a perfume de rosas e com o olhar ligeiramente perdido, como se estivesse pensando a mesma coisa que eu. Aí nossos olhares se cruzariam e...
R: Não tem ninguém. São todos igualmente feios, igualmente infelizes, olhe pra cara deles. Dá uma cheirada neles. Não, não faça isso. Eca. Parecem esmagados por alguma força sobrenatural. Nunca vi tanto desepero e... Oh, meu Deus! Eu sou um deles. Eu sou um deles, não sou?
Eu era um deles. Olhei pra imagem no vidro escuro e não havia dúvidas. Mais um infeliz. Mais um. Nada especial, meu lugar era aqui. Acidente eram os outros dias.
D: ...
R: Se eu realmente pensei nisso tudo? Claro! Era inevitável. Estava ali, nem precisei me esforçar muito. Era só... vc sabe, e a voz aqui dentro, ficava narrando a situação. Podemos mudar de assunto?
Meus cachorros estão realçando que viver em casa já não é mais possível. Tenho dois em casa. Poodles, franceses e temperamentais. Adorava eles, mas... não é que eu não goste mais deles. Mas... Certo, vou explicar.
Meus pais já sabem que não vão ter netos. Por isso eles transferem toda sua energia de "avós" para os cachorros. Minha mãe adotou o Calvin que é o mais velho e o meu pai ficou com o Robin. Eles parecem apêndices, nunca se desgrudam. Nem na ficção vejo algo parecido. Vc sabe, quando algum personagem tem cachorro, nem sempre o ***** do animal fica no lado toda hora. Snoopy e Charlie Brown, Garfield e o John, Floquinho e o Cebolinha. A maioria deles tem "aventuras" solo, mas meu pai está SEMPRE com o Robin e minha mãe está SEMPRE com o Calvin. E agora eles deram de brigar. Como? Ah, sim. Os cachorros. Pensando bem, meus pais também.
E para proteger o Calvin a casa está cheia de grades entre os principais cômodos. É como um presídio de segurança mínima. Para eu levar um sanduíche da cozinha para meu escritório são 3 portas e 2 grades. Horrível, sempre derrubo um pouco de café. Todos os meus chinelos cheiram a café.
E como brigam de noite também, acordando a vizinhança inteira, meu pai passou a dormir na sala como o Robin. É ficção-científica. Não entendo como eles podem achar isso normal, fazer tanto malabarismo e sacrifício por causa de... por causa de animais. Pronto eu disse. Eu sou um monstro, ok? Acho absurdo seres humanos sofrerem por causa de animais. Não posso fazer nada, quer que eu finja? Não.
D: ...
Não, eu não sinto ciúmes deles. De quem está falando? Dos cachorros ou dos meus pais? Não importa. Não, o problema não é esse. Vou te contar. Minha avó era uma megera e quando ficou doente, os filhos mandaram ela para morrer num asilo. Na época eu nem pensei muito no caso, mas hj... sabe, a sociedade é nojenta. Vc pode mandar um ser humano, e não um qualquer, mas sangue do seu sangue, para morrer longe de vc. Sim, estou falando de asilos. Vc não quer mais ver, não quer mais cuidar, de uma pessoa... de um ser humano e aí manda ela pra longe. O objetivo é, a msg é, "Ter vc perto de mim além de dar muito trabalho é deprimente, por favor morra e não demore muito, aquilo ali não é de graça, sabe?". As pessoas fazem isso. Mas se uma sugerir fazer a mesma coisa com um cachorro idoso, uau, vc é um monstro. Como pode sequer pensar em fazer uma coisa dessas com o pobre cãozinho! Não sabe que ele sofreria? Que ele morreria de tristeza ao ser abandonado?
R: Minha avó morreu algumas semanas depois. Ela só falava japonês e... Nunca ninguém soube suas últimas palavras.
D: ...
R: ...
D: ...
R: Preciso ir embora.
quinta-feira, 7 de maio de 2009
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Minha avó morreu recentemente, mas por aqui fazemos diferente. Dois dos seis filhos que ela teve moravam com ela e ela meio que cuidava dois dois também.
ResponderExcluirManaus é uma capital, mas tem muito de cidade pequena no jeito das pessoas agirem. Aqui o animal doente é jogado no Rio Negro, gatinhos são abandonados em feiras e ninguém paga por injeção letal. Tenho um amigo que a família toda usa um tio sádico para dar fim os animais que "enlouquecem" ou nos bichos criados para serem comidos em datas festivas. Ele faz isso desde com pisão na coluna seguido de torção do pescoço até marteladas na cabeça.
Sei lá... não conheço ninguém que tenha mandado os pais pra um asilo. Até os loucos o pessoal procura manter em casa. Tive um tio assim que só ia pro manicômio quando estava quebrando tudo em casa, mas depois quemelhorava voltava sozinho pra casa.
ResponderExcluirVc fala sobre o metrô nas suas sessões?Sério, xuxu?Poxa.Tá bom, eu sei.Não era sobre o metrô.Era sobre ser mais um infeliz, acho que entendi.
ResponderExcluirAh, todo mundo é mais um infeliz.O que faria eu ou vc ou qualquer outra pessoa mais especial do que a outra?Sei lá, nunca vi ninguem virar um buda iluminado ou receber um anjo na sua casa pra te dizer solenemente "vc é legal, um cara especial." ¬¬
Mas ouvir isso de outras pessoas, pessoas que importam é bem legal! ^^
Quanto a sua avó, sinto muito. Muito mesmo.
Sou contra abandono de animais, que dirá de familiares, de pessoas.
É impossível anular a existência de alguém, mesmo que a nossa sociedade tente fazê-lo o tempo todo.
Mas sabe o que eu acho?Que toda vez que alguém faz isso, quem se ferra é o "anulador". Porque nele morre um pouco da humanidade que ele tinha.
E isso é vingança bastante pra mim.
Ah,quem disse que estamos aqui pra nós vingar, não é mesmo?
Que coisa mais inútil.
Não se sinta mal.Se vc pensa nisso hj quer dizer que cresceu sua humanidade.Isso deve contar pontos.
Beijos, Xuxu.