quinta-feira, 11 de junho de 2009

Vermelho ou Azul

CENA 1.

INT. APARTAMENTO – DIA.

UMA ELEGANTE SALA DE ESTAR. UMA MULHER, 30 E POUCOS ANOS, ESTÁ SENTADA NUMA CADEIRA SEGURANDO UM TELEFONE. ELA ESTÁ TENSA, MAL PARECE RESPIRAR. UM HOMEM, UM POLICIAL DO ESQUADRÃO DE BOMBAS, DEVIDAMENTE PARAMENTADO COM COLETE E CAPACETE, ESTÁ DEITADO DE COSTAS NO CHÃO VERIFICANDO A PARTE DE BAIXO DA CADEIRA.

HOMEM: Alguém realmente te odeia, querida. Mais do que eu. (T) Quando a central informou sobre a ameaça de bomba e me deram seu nome, sabe o que eu disse? (ELE SAI DE BAIXO DA CADEIRA, SE LEVANTA E TIRA O CAPACETE) “Pra quem devo agradecer?”

MULHER: Haha. (T) Então, é mesmo uma bomba?

MARIDO: Alguém retirou parte do estofado, colocou carga suficiente pra destruir este apartamento inteiro e grande parte do seu vizinho de baixo. Não vi nenhum mecanismo de pressão, mas como a carga está acionada... é, é uma bomba sim.

MULHER: E o que vamos fazer?

MARIDO: Você vai ficar sentada quietinha aqui. E eu vou sair e esperar com o pessoal lá fora. O esquadrão de desarmamento deve chegar daqui a pouco.

MULHER: Vai me deixar sozinha aqui?

MARIDO: Meu trabalho está feito. O seu admirador secreto queria que eu viesse e verificasse se é uma bomba. É uma bomba. É isso que eu faço. Agora somente peritos podem...

A MULHER COMEÇA A CHORAR.

MARIDO: Tá tá, eu fico e espero eles chegarem. Mas... apenas não se mexa, certo?

MULHER: Obrigada.

MARIDO: Como foi exatamente que aconteceu isso? Não me deram os detalhes.

CENA 2.

INT. APARTAMENTO – DIA – ALGUMAS HORAS ANTES:

A EXPLICAÇÃO DA MULHER É MOSTRADA EM CENAS PRETO E BRANCO COM NARRAÇÃO DELA MESMA EM OFF.

MULHER (OFF): Cheguei no hotel às dezesseis horas. O telefone tocou, atendi e uma voz que não reconheci disse que sabia do meu segredo e que era pra eu ouvir com atenção. A voz insistia que para me contar o que sabia, eu devia estar sentada.

HOMEM (OFF): Como assim sentada? Tipo “é melhor você se sentar para escutar o que eu tenho pra dizer”?

MULHER (OFF): Isso. Acho que foram exatamente essas as palavras. Então eu me sentei e a voz disse...

VOZ: Se você se levantar a bomba que está na cadeira será acionada e o hotel perderá alguns andares e o mundo perderá uma...

CENA 3.

INT. APARTAMENTO – DIA – CONT.

HOMEM: Perderá uma?

MULHER: Um palavrão qualquer.

HOMEM: Vadia?

MULHER: Isso não é importante! (T) Você está sorrindo? Acha isso engraçado?

HOMEM: Que a mulher que me traiu durante os últimos dois anos está sentada em cima de uma bomba? Estou achando hilário! Que eu esteja perto dela nesse momento? Nem tanto. (T) E essa voz, ele pediu que eu, especificamente eu, viesse cuidar disso?

MULHER: Não há tantos especialistas anti-bomba na cidade.

HOMEM: Mesmo assim. Não gosto disso. (T) Então, qual era o segredo? (A MULHER NÃO ENTENDE A PERGUNTA) Você se sentou, soube da bomba e aí? Ele não te disse qual era o tal segredo que sabia de você?

MULHER: Não, ele desligou. Não há nenhum segredo.

HOMEM: Por que veio para esse quarto? (ELA NÃO RESPONDE) Escuta, não é seu ex-marido falando agora. Isso pode ser importante. Por que veio para esse quarto? A essa hora? (ELA O ENCARA, A RESPOSTA É ÓBVIA O SUFICIENTE) Ah, mas que droga! E cadê ele? Já imaginou que pode muito bem ser o seu encontro secreto que colocou essa bomba?

MULHER: Não é secreto e por que ele faria isso?

HOMEM: Sei lá, quem está sentada em cima de uma bomba e tem encontros com amantes no meio da manhã é você! Se eu... (ELE REPARA EM ALGUMA COISA E SE AGACHA NOVAMENTE, EM SEGUIDA SE DEITA PARA VER MELHOR) Diabo!

MULHER: O que foi?

HOMEM: Um contador. Havia uma tela escura sem nada, mas agora estou vendo um contador. Ligou sozinho.

MULHER: E o que ele está “contando”?

HOMEM: Três minutos.

NA TELA SURGEM OS DÍGITOS “00:03:00” E A CONTAGEM REGRESSIVA COMEÇA “OO:02:59”, “00:02:58” E ASSIM POR DIANTE.

MULHER: Ah, meu Deus, faz alguma coisa!

O HOMEM SE LEVANTA E OLHA PRA PORTA. POR UM MOMENTO, COGITANDO SERIAMENTE SAIR DALI. MAS POR FIM, DECIDE FICAR.

HOMEM: Não vai dar tempo de chamar o pessoal. Vou tentar desarmar isso. A decisão é sua.

MULHER: Qual decisão? Entre explodir ou você tentar desarmar a bomba? Claro que quero que tente! Desarme essa bomba!

HOMEM (SUSPIRA): Tá. (ELE ABRE UM ESTOJO COM ALGUMAS FERRAMENTAS, SE DEITA NOVAMENTE E COMEÇA A NARRAR OS PROCEDIMENTOS) Estou abrindo o painel com a tela. Certo, o painel está ligado, mas a tela continua acesa. (ELE COMEÇA A RIR).

MULHER: O que foi?

HOMEM: Quem armou essa bomba tem senso de humor pelo menos. Estou vendo os clássicos fios vermelho e azul, ligados aos detonadores e a carga. Dá pra acreditar? (T) Eu disse: dá pra acreditar?

MULHER: Sim dá. A voz me disse que haveria esses fios.

HOMEM (AINDA DEITADO, TIRA A CABEÇA DEBAIXO DA CADEIRA PRA ENCARAR SUA EX-ESPOSA): O que?

CENA 4.

INT. APARTAMENTO – DIA – ALGUMAS HORAS ANTES:

NOVAMENTE FLASHBACK EM PRETO E BRANCO. A MULHER SEGURANDO O TELEFONE.

VOZ: Dois fios. Um azul e outro vermelho. Corte a cor favorita do seu marido e a bomba não explode.

CENA 5.

INT. APARTAMENTO – DIA – CONT.

MARIDO: E por que não me disse isso antes?

MULHER: Desculpa, eu estou nervosa! Achei que não fosse importante.

MARIDO: Depois vamos discutir sobre seus critérios do que é e do que não é importante. Muito bem.

A MULHER ESPERA, MAS O MARIDO DELA ESTÁ QUIETO. ELA ESPERA MAIS UM MOMENTO. NADA.

MULHER: E então?

HOMEM: E então você. Qual a minha cor favorita?

MULHER: O que? Você sabe! É a sua cor favorita.

HOMEM: Eu sei qual é, mas a bomba é sua. A pergunta foi para você. Diga, qual é a cor favorita do seu marido? Qual a cor favorita do homem que viveu com você mais de 15 anos?

MULHER: Não faça isso!

HOMEM: Diga!

MULHER: Eu não posso. Eu não sei!

HOMEM: O tempo está acabando! Diga qual é a minha maldita cor favorita ou vamos morrer.

MULHER: Azul! É a cor dos meus olhos. Por isso é a sua cor favorita. Azul, corte o azul!

O HOMEM CORTA O FIO, FECHA OS OLHOS E SUSPIRA ALIVIADO. NA TELA OS DÍGITOS “00:00:01”. ELE SE LEVANTA E OLHA PARA SUA EX-ESPOSA QUE ESTÁ CHORANDO.

HOMEM: Pode se levantar agora.

ELA SE LEVANTA E O ABRAÇA. ELE DEMORA UM INSTANTE, MAS ACABA ABRAÇANDO DE VOLTA.

MULHER: Fui uma idiota.

HOMEM: De sentar em cima de uma bomba? Não, qualquer um poderia cair nessa.

MULHER: Não, estou falando de nós. Eu nunca deveria ter te abandonado.

HOMEM: O que está dizendo?

MULHER: Acho que deveríamos tentar de novo. As crianças sentem sua falta e... eu também.

ELES SE BEIJAM. AINDA ABRAÇADOS VÃO EM DIREÇÃO À PORTA.

HOMEM: Vamos sair daqui. Desarmada ou não, isso ainda é perigoso.

MULHER: Quem será que mandou?

HOMEM: Talvez nunca vamos saber.

CENA 6.

EXT. QUARTO NÃO IDENTIFICADO – DIA – ALGUMAS HORAS ANTES:

NOVAMENTE FLASHBACK EM PRETO E BRANCO. UM HOMEM DE COSTAS SEGURANDO UM TELEFONE.

VOZ: Dois fios. Um azul e outro vermelho. Corte a cor favorita do seu marido e a bomba não explode.

A CAMÊRA VIRA DE FRENTE E VEMOS O MARIDO SEGURANDO O TELEFONE. ELE TIRA UM PEDAÇO DE PANO DO BOCAL (ESTAVA USANDO PARA DISFARÇAR SUA VOZ) E DESLIGA O APARELHO.

CENA 7.

INT. APARTAMENTO – DIA – CONT.

ENQUANTO ELES SAEM, A CÂMERA ABAIXA E MOSTRA A PARTE INFERIOR DA CADEIRA, ONDE PODEMOS VER CLARAMENTE A BOMBA. E O FIO CORTADO. O FIO VERMELHO CORTADO.

4 comentários:

  1. Ricardo... Achei muito interessante o texto, mas olha.. Me assustei muito.

    Esta cena que você narrou me lembra muito bem algo que vivi pessoalmente a um tempo. Não sei de onde você tirou isso... Mas é assustador.

    ;)

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